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Em síntese, o que a legislação autoral visa proteger

João Carlos Lopes dos Santos

O que você vai ler tem ares de crônica, mas pretende ser um artigo técnico. Desta vez, peguei como mote composições musicais para externar o que penso a respeito do processo criativo. No entanto, a tese pode ser aplicada a todas as atividades artísticas. Trata-se de um exemplo clássico do exato momento da criação de um big hit, o grande sucesso. Ele acontece num estalo, numa centelha criadora, num insight que dá o start, em que brota o motivo central marcante à grande canção. São esses momentos personalíssimos, tão raros quão preciosos, que a legislação autoral quer proteger.

‘Mulheres’ de quem?

Já quase a dormir no sofá, me deparei com uma interessante entrevista no ‘Programa do Jô’. O assunto era um dos grandes sucessos do Martinho da Vila. Aos poucos fui percebendo, impactado, que a autoria da letra e música de ‘Mulheres’ não era, como pensava, do Martinho. A composição conhecidíssima, que faz sucesso na voz de Martinho, é da lavra de um ainda desconhecido do grande público: Antônio Ribeiro que, nas artes, foi batizado Toninho Geraes pelo seu amigo Zeca Pagodinho. Os locutores das emissoras de rádio, quase sempre, omitem os nomes dos compositores das músicas, citando, nem

sempre, o nome de quem as interpreta. Até bem pouco tempo, seria capaz de apostar todas as minhas fichas que Martinho da Vila era o autor da letra e música de ‘Mulheres’, muito embora, o grande Martinho jamais tenha afirmado isso.

Mas vamos ao cerne da questão. O talentoso compositor de Minas Gerais – vem daí o Geraes –, naquele programa de TV, reportou que, ao procurar o cartão de visitas de um empresário, encontrou diversas fotografias de ex- namoradas: brancas, negras, louras, ruivas, mulatas... Daí, surgiu o start da composição: Já tive mulheres de todas as cores! O restante ficou fácil, ainda mais para quem tem talento inato como Toninho Geraes, foi só trabalhar a composição.
Clique em https://www.letras.mus.br/martinho-da-vila/47320/.

La mer... Isso dá samba...

Todos já ouviram numa roda de amigos um ‘isso dá samba’, diante de uma tirada interessante. A letra e música da eterna ‘La Mer’, com centenas de regravações em todo o mundo, foi composta em 1943 pelo francês Charles Trenet numa viagem de trem, à beira-mar, de apenas vinte minutos. A centelha criadora foi: ‘O mar, lá, lá, lá’. Depois, foi só pegar lápis, papel e trabalhar a música. Até porque, o start tem que ser trabalhado com o seu desenvolvimento e com os acréscimos dos demais trechos que com ele contraste – a parte B, refrão etc. Qualquer processo criativo passa por isso. A seguir, escute ‘La Mer’, na versão original com o autor Charles Trenet, outra com Mireille Mathieu e, após, a versão em inglês – ‘Beyond The Sea’ – com Robbie Williams:
https://www.youtube.com/watch?v=fztkUuunI7g
https://www.youtube.com/watch?v=ehJTSSunEPg
Robbie Williams | Beyond The Sea (Live At The Albert 2001) - YouTube

Tico-tico no Fubá.

Mutatis mutandis, foi o que aconteceu com ‘Tico-tico no Fubá’, a internacionalmente conhecida música de Zequinha de Abreu, composta em meados da década de 1910, tendo sido gravada por Carmen Miranda e um inimaginável número de cantores, músicos e orquestras. O filme ‘Tico-tico no Fubá’, que pode ser visto na íntegra, chamando-se a atenção para o trecho entre os minutos 3 e 4 da fita, em            
http://www.youtube.com/watch?v=nNR_LNYtnEk.
Lançado em 1952, sob a direção de Adolfo Celi e protagonizado pelos atores Anselmo Duarte, Tônia Carreiro e Marisa Prado, nos reporta o momento exato da centelha criadora, o insight, se bem que de forma romanceada, que deu o start à composição. Zequinha de Abreu (1880-1935) foi um compositor, músico desde tenra idade, que nasceu na cidade paulista de Santa Rita do Passa Quatro. Lá, certo dia, numa moenda de milho, observou um tico-tico a comer fubá… Foi aí que surgiu o grande sucesso internacional, que se mantém vivo até os nossos dias, mesmo que pouco divulgado no Brasil. Já em Portugal, ‘Tico-tico no Fubá’ recebe do povo o status de hino, eis que faça parte do repertório da luso- brasileiríssima Carmen Miranda, nascida em Marco de Canaveses, Portugal, em 09/02/1909, tendo falecido em Los Angeles, EUA, em 05/08/1955. Contudo, seus restos mortais repousam no Brasil, nomeadamente, no Cemitério São João Batista, no bairro carioca de Botafogo.

Por quem Madureira chorou?

O mesmo se poderá dizer de ‘Madureira Chorou’, de Carvalhinho e Júlio Monteiro, ‘Garota de Ipanema’, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, e ‘Aquarela do Brasil’, de Ary Barroso, quem sabe, com Tico-tico no Fubá, as quatro músicas brasileiras, há algumas décadas, mais executadas internacionalmente. Adivinha qual música encerra apoteoticamente o show da orquestra de André Rieu? Acessem os links, a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=BXC_2nO1Tvw

Quem inspirou ‘Madureira Chorou’?

A resposta está em: O que é talento?

Uma Pergunta que não quer calar: ao longo dos anos e para todo o sempre, quanto renderam e renderão, emocional e financeiramente, essas centelhas criadoras?

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