Acompanhando o Mercado
Como consolidar sua carreira no mercado de arte.
João Carlos Lopes dos Santos
Acompanho cotidianamente o mercado de arte desde 1982. Além disso, agradeço às “aulas” a que assisti numa “faculdade”, que ainda não se cristalizou intramuros, mas sim nos vernissages, nas mostras coletivas, nas exposições e pregões dos leilões de arte, nas galerias, nos museus, nas moldurarias, nas feiras de arte e artesanato, e mormente nos jantares, depois dos leilões, que reuniam marchands, artistas e circunstantes que gravitavam no mercado de arte, noite adentro, no extinto restaurante ‘Rio-Nápoles’, em Ipanema, na Rua Teixeira de Melo, quase esquina da Visconde de Pirajá, no Rio de Janeiro.
A jogar conversa fora
Nesses jantares, aprendíamos muito. As “aulas” eram reciprocamente ministradas e assistidas por todos do grupo de segunda a sexta-feira, eis que, aos sábados, aconteciam no restaurante ‘La Mole’ da Barra da Tijuca, após os leilões da ‘Galeria Belas-Artes’, do ‘Espaço Sombra’ ou da ‘Galeria Borghese-Itanhangá’, entre outros, hoje extintos. Nessas ocasiões, acompanhando o filé com fritas, bebiam-se refrigerantes e água mineral, até porque seria politicamente incorreto ir aos copos em “sala de aula”.
Muitas vezes, o jantar acontecia no ‘Famiglia Mancini’ em São Paulo, na Rua Avanhandava, com o grupo carioca modificado e, ainda, contando com a presença de marchands paulistanos, que também, volta e meia, apareciam no ‘Rio-Nápoles’. Poucas vezes, compondo um outro grupo, assisti às “aulas”no restaurante ‘Xapuri’, na Rua Mandacaru, em Belo Horizonte.Cabe, ainda, citar os jantares que aconteceram, após os leilões de arte em Niterói-RJ, Petrópolis-RJ, Teresópolis-RJ, Angra dos Reis-RJ e Fortaleza-CE.
A prática criando a teoria
Os fatos reportados ocorreram nas décadas de 1980/90, mas ainda hoje – escrevo em setembro de 2016 – acontece da mesma forma em todo o mundo. Uma amiga, que trabalhou no mercado de arte alemão, me disse que os procedimentos de lá são idênticos aos daqui, só muda o idioma... Também nesse caso a prática cria a teoria, portanto o aprendizado só será possível se vivenciarmos pari passu o mercado de arte. Depois, decerto, virão os estudos, com o aprofundamento nos livros disponibilizados. Ainda não temos qualquer tipo de formação profissional nessa área, por isso o aprendizado deverá ser calcado na prática, nos costumes e na literatura sobre artes plásticas, antiguidades e bens assemelhados. Eis aí a única fórmula de os artistas conseguirem negociar suas obras e os marchands adquirirem boa formação, que só virá consuetudinariamente, ou seja, com as experiências cotidianas e ininterruptas em contato com seus pares e circunstantes, mormente nos leilões de arte.
Um programa em Niterói
Lembro-me de que, certa feita, o grupo do ‘Rio-Nápoles’ partiu para um vernissage em Niterói, que apresentava uma movimentada mostra de pintura abstrata – quando o mote pictórico se aparta das formas do mundo real. Após, se não me falha a memória, o grupo foi para o ‘Acrópole’, à época, o pointdos artistas de Niterói, um excelente restaurante localizado na Avenida Quintino Bocaiúva, esquina com a Rua Aimorés, em São Francisco.
Niterói sempre foi um grande celeiro de artistas, mormente de pintores marinhistas – artistas que preferem retratar o mar, seja em marinhas lisas, com barcos ou com personagens. Por isso, entre nós, a brincar, dizíamos que, contemplando a fantástica vista carioca, os da terra de Arariboia tinham que ser mesmo excelentes marinhistas... À época, havia muitos marinhistas radicados em Niterói e raríssimos abstracionistas, estes como pontos fora da curva.
Quando a vivência ajuda
É muito comum, no início de carreira, os abstracionistas usarem linguagem pictórica figurativa para se expressar. Vai daí que encontramos, volta e meia, naturezas-mortas, paisagens e marinhas desses abstracionistas. São obras raras que, por terem sido pintadas em reduzido número, hoje dificilmente as encontramos em circulação no mercado. Depois, definitivamente, passam à abstração. Recentemente, numa fase pericial, me deparei com uma ‘marinha com barcos’ e custei a decifrar o enigma... Até que as “aulas”, aqui reportadas, me ajudaram a ter certeza de que se tratava de uma pintura da fase figurativa de um artista, hoje abstracionista, radicado em Niterói. A propósito, gosto dos abstracionistas que tenham adentrado em estudos profundos no figurativismo, que saibam desenhar, o que é o caso do artista indiretamente mencionado. Digo isso no Manual do Mercado de Arte, editado em 1999, hoje com edição esgotada, à espera de patrocínio empresarial.
A dica fundamental
Por oportuno, é bom lembrar àqueles que querem se iniciar ou prosseguir na profissão de marchand, artista plástico ou quaisquer outras ligadas ao mercado de arte, que devem conviver com seus pares em seus nichos. Soube de um grupo de dez artistas plásticos de uma pequena cidade do interior que se reúne numa confeitaria. Compartilham experiências e oportunidades, mas só pagam 10% de tudo que consomem, inclusive um só exemplar do Manual do Mercado de Arte, comprado pelo grupo, que roda de mão em mão já há alguns anos. Veja como é aqui interessante a sétima definição para a palavra ‘nicho’ que encontrei no dicionário ‘Aurélio’. Abro aspas para o insigne dicionarista: “Segmento restrito do mercado, não atendido pelas ações tradicionais de marketing, e que geralmente oferece novas oportunidades de negócio”. Até parece que encomendei a definição para usá-la neste artigo...
Os artistas plásticos ativos da década de 1970 para trás, nos mesmos moldes, promoviam churrascos, feijoadas, angus à baiana, entre outros petiscos, alternando esses encontros dominicais nas casas dos comensais. Portanto, organizem seus grupos, posto que seja assim que terão a melhor formação profissional, recebendo as melhores dicas de mercado.
Hoje, ao elaborar laudos periciais sobre avaliações sobre os mais diversos bens culturais, concluo que a fase inicial do meu aprendizado foi fundamental para exercer a atividade. Antes de tudo, um perito judicial, na área do mercado de arte, tem que ser generalista, já que de pouco adiantará ser especialista apenas num ou noutro grande mestre, patamar de mercado em que poucos poderão deitar falação sozinhos. Esses ensinamentos me deram, inclusive, a oportunidade, nos anos 1980/90, a convite e em parceria, de organizar leilões mensais em três casas leiloeiras de arte e objetos correlacionados do Rio de Janeiro, hoje desativadas. Tudo isso somado deu ensejo à elaboração do Manual do Mercado de Arte, lançado em 1999, hoje com edição esgotada, à espera de patrocínio empresarial para reedição atualizada. Sem esse aprendizado, longo e contínuo, e lá se vão 34 anos, com certeza, seria custoso dar respostas firmes a certas situações intrincadas, com que me deparo em perícias nessa área, como aconteceu no caso reportado, o da ‘marinha com barcos’ de um conhecido abstracionista.
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