Crônicas de Nova Ipanema

O cavalo do condomínio

João Carlos Lopes dos Santos

Nas memórias de minha infância, tenho registros da figura do cavalo perdido. Nos anos 1950, a tração animal ainda era comum, mormente no subúrbio do Rio de Janeiro.

Assim, volta e meia, aparecia um cavalo perdido na rua onde morava que, de pronto, era adotado pela criançada. Dias depois, rédeas na mão, chegava o dono do cavalo e os garotos ficavam desolados. Nova Ipanema – ‘A nova antiga maneira de viver’–, mote em seu lançamento em 1975, também tinha um alazão até o início dos anos 1990.

Mas vamos à história

Num certo sábado de 1984, cheguei à varanda do nosso apartamento, aquela que dá para a Avenida das Américas, e, de repente, vejo um cavalo solto correndo na estrada.

Cabe aqui uma explicação. Naquela época, a Avenida das Américas era uma estrada vicinal bem estreita, de mão-dupla, que ligava o bairro da Gávea, na Zona Sul, ao de Santa Cruz, na Zona Oeste. Mesmo assim, pomposamente, era chamada de ‘Estrada Rio-Santos’.

E o cavalo, a galope no meio da pista, se assustando com os carros, mudava constantemente de direção. Resolvi procurar ajuda junto à segurança de Nova Ipanema, objetivando evitar um mal maior. Cadu, meu filho mais novo, então com seis anos, foi atrás de mim na aventura.

Quando chegamos à hoje Avenida das Américas, o cavalo, que me parecia castanho, já extenuado, suando em bicas, entrou num terreno, então baldio, ao lado da entrada de Nova Ipanema. Muito cansado, foi fácil laçá-lo com uma corda, que nessas horas sempre aparece do nada.

E lá vinha eu, condomínio adentro, em direção à marina, segurando o cavalo pela corda. Cadu, seis anos de idade, segurando na ponta da corda, peito estufado, ia dizendo a quantos encontrava:

- Ganhei um cavalo! Ganhei um cavalo!

Até que alguém reconheceu nele o cavalo do condomínio... Suado e sujo, o nosso alazão tinha mudado de cor.

O ‘amante da liberdade’

Nos primórdios de Nova Ipanema, o serviço de transporte do lixo das varreduras das ruas era feito por uma carroça puxada por esse simpático cavalo. Mais tarde, para o serviço, foi adquirida uma Kombi aberta e, depois, um caminhão, o que levou o alazão a se aposentar. A última vez que o vi, amarrado a uma longa corda, muito gordo, estava pastando na Marina de Nova Ipanema. Moradores antigos, decerto, hão de se lembrar dele. Qual era o seu nome? Não sei, já que, para todos, era o ‘cavalo do condomínio’.

Há quem se lembre de mais de dez fugas daquele amante da liberdade, sempre encontrado no entorno de Nova Ipanema, na rodoviária, no aeroporto da Barra da Tijuca ou no autódromo de Jacarepaguá, mas sempre por perto. Dizem que, certa feita, ele foi encontrado em Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio, sendo trazido de volta numa Kombi aberta, em viagem cheia de passagens cômicas.

Voltando ao assunto

Cavalo recolocado na Marina e eu e o Cadu a caminho de casa, aconteceu o seguinte diálogo:

- Pai, o cavalo poderia ter morrido, não é?

- É, Cadu. Poderia, também, colidir com um carro e ter machucado pessoas.

E o Cadu desolado.

- Pai, se a gente salvou o cavalo, ele é nosso, não é?

- Mas é lógico. O cavalo é nosso, Cadu. Só que, como os outros moradores são nossos amigos, nós vamos dividir o cavalo com eles, combinado?

Hoje, mesmo sem a singela carroça e o cavalo, mas por muitas outras coisas, Nova Ipanema continua a ser ‘A nova antiga maneira de viver’.

 

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