Crônicas de Nova Ipanema

Você tem medo da Internet? (De recruta a general)

João Carlos Lopes dos Santos



A idade para se começar

Vai ser muito difícil viver à margem dos computadores e da internet. Iniciei tarde - depois de muito relutar -, aos 53 anos. Mas vamos direto ao fato gerador da minha conversão ao veículo da rede mundial.

Um dia, encontrei um menino de 83 anos que andava meio sumido.

– Como é que é Thomaz, sumiu?

– É meu querido amigo, comprei um brinquedo novo: um computador.

– Você consegue mexer naquele negócio, rapaz? O comportamento do Thomaz nos estimula a vê-lo sempre como um rapaz...

– Claro, é muito fácil. Respondeu ele.

Fiquei arrasado. Afinal, tinha um livro na cabeça - Manual do Mercado de Arte – e precisava passá-lo para o papel, mas aos 53 anos me achava velho para esse tipo de tecnologia. Enchi-me de coragem e comprei um computador. Depois de um ano, sem cursos ou qualquer outro tipo de orientação – o que hoje não aconselho a ninguém –, o livro estava pronto.


Apesar de tudo mais

Ao que me parece – e aos outros amigos dele –, Thomaz, pelo menos nesses 25 anos que o conheço, não faz muito por onde ser o longevo saudável que é. Acorda e dorme tarde, pega sol da tarde, gosta de beber todas, mas bêbado nunca o vi, sempre comeu fora de hora e, principalmente, aqueles salgadinhos de lanchonete, pelo menos nesse longo tempo em que sou seu incondicional amigo.

O cigarro é um capítulo à parte. Até os 85 anos, depois de dar um susto na gente, no início de 1999, fumava três a quatro maços de cigarros por dia. Agora, diz que parou. Há quem acredite nisso, em ‘Papai Noel’, ‘Coelhinho da Páscoa’ e, principalmente, em ‘Cegonha’...


Testando a resistência

Mas vamos falar do sobredito susto. Soube que ele tinha feito uma cirurgia de próstata, em meados de 1999, isto aos 85 anos. Nada grave: em tal idade, este tipo de cirurgia é inevitável.

Para fazer de uma longa história outra bem curta, o nosso Thomaz, logo a seguir, pegou uma infecção hospitalar. Ficou pele e osso. Recuperou-se um pouquinho e, logo após, no verão de 2000, pegou uma pneumonia, constatada quando estava numa reunião da ACNI – ele é o Presidente da Comissão de Legislação e Normas da Associação dos Condôminos de Nova Ipanema, na Barra da Tijuca –, reunião que, por esse motivo, foi adiado, de vez que ele era o relator da matéria a ser votada. Ficou, de novo, pele e osso.

Entre seus amigos era unânime a conclusão: É uma pena, mas dessa vez o General Thomaz Câmara entrega os pontos e vai sair da cena de guerra... Outros, mais objetivos, diziam: Não sei não, mas acho que o General vai morrer.


O segredo da longevidade

Ledo engano, uns dois meses depois, já no inverno de 2000, que ficará na história como sendo um dos mais frios, todo mundo agasalhado no Clube de Nova Ipanema, chega o Thomaz da sauna, gordinho, forte, saudável e sem camisa...

Após os comentários de praxe, um sai com a gracinha: Também, pudera, ele não tem mulher e nem filhos para aporrinhá-lo...

Sem conferir razão à sobredita tese e nem, tampouco, achá-la possível, já que tenho juízo e amor à vida, o nosso Thomaz jamais se casou. Namoradas dele, eu conheci muitas. Fala-se de grandes paixões, umas correspondidas outras não... Mas isso não nos interessa, porque coração é terra que ninguém pisa...

Mesmo muitas vezes impactado, é este o General Thomaz de Albuquerque Câmara que conheço, o meu longevo mestre de sabedoria útil e aplicável. Tenho um grande orgulho em sermos amigos. Que Deus lhe dê muitos anos de vida, para que ele possa passar essa vitalidade, combatividade e sabedoria à garotada cinquentona que anda se achando meio devagar...

E você, ainda está se achando velho para mexer com computador?


De recruta a general e a trajetória de um militar na vida civil

João Carlos Lopes dos Santos



O Recife nos deu, além de João Cabral de Melo Neto e outros pernambucanos importantes, Thomaz de Albuquerque Câmara, nascido em 24 de maio de 1914, às margens do Capibaribe.

Hoje, dia 16 de julho de 2003, aos 89 anos, numa manhã linda de inverno carioca, com o céu plenamente azul, o nosso querido Thomaz nos deixou. Seus amigos estão tristes e enlutados. Um dia tinha que acontecer...


A trajetória militar

Na Revolução de 30 – com 16 anos – aluno do Ginásio Pernambucano, pegou em armas contra o governo federal de Washington Luiz. Em 1932, com a notícia de que os paulistas queriam se separar do Brasil, ingressou no recrutamento voluntário de jovens para fazer frente aos revoltosos. Assim, o garoto de 18 anos ingressou, efetivamente, no Exército Brasileiro.

De pronto, como soldado, foi enviado ao Rio de Janeiro para integrar o 19o Batalhão de Caçadores, da Bahia, que estava acantonado no 3o Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Aí começa uma carreira brilhante e vertiginosa.

Um mês depois, fez o curso de cabos e passou. Só ficou com as duas divisas por sete dias, tempo necessário para passar nas provas do curso de sargentos. Aos 18 anos de idade era sargento. Fez concurso de admissão à Escola Militar, no bairro carioca de Realengo, que hoje está localizada nas Agulhas Negras, em Resende-RJ, com destino à Escola de Intendência.

Aos 27 anos era aspirante a oficial e, em seguida, 2o tenente. Com 30 anos de idade, na Itália, integrado à FEB - Força Expedicionária Brasileira -, foi promovido a 1o tenente. Aos 35 anos era Capitão. Aos 40, por merecimento, foi promovido a Major. Aos 45 anos, por merecimento, foi a tenente coronel. Aos 51 anos de idade, como sempre por merecimento, foi promovido a coronel. Meses depois, em 22/11/1965, o Presidente da República, por decreto de 4/10/65, o promoveu ao posto de general de brigada, de acordo com a Lei nº 288 de 8/6/1948, e transferi-lo, a pedido, aos 33 anos de carreira militar, para a reserva nesse posto e promovê-lo na inatividade no posto de General de Divisão. Esse é um breve resumo do seu curriculum vitae militar.


A vida civil

Já na vida civil, aos 51 anos de idade, não aceitou o otium cum dignitate que a vida lhe propusera. Aceitou sim o convite para organizar a firma Intelco Radiocomunicações S/A, que introduziu o serviço de radiochamada no Brasil, popularmente conhecido como ‘BIP’, sua marca registrada, que à época fez estrondoso sucesso e que hoje dela poucos se lembram. Na Intelco, desempenhou as funções de diretor executivo e, posteriormente, de vice-presidente. Afastou-se voluntariamente da empresa, depois de mais de dez anos.


A vida em Nova Ipanema

Com o dinheiro amealhado nos dez anos de vida civil, somado ao soldo de general de divisão da reserva, pôde comprar um apartamento em Nova Ipanema, o primeiro condomínio fechado da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, para onde se mudou em 1978, aos 64 anos, nomeadamente para o edifício Bernini.

Desfrutou de Nova Ipanema como ninguém. Com a garra de sempre, debruçou-se, aí sim, no otium cum dignitate. Encantado com Nova Ipanema, frequentava a piscina, onde tomava seus drinks, muitas vezes acompanhado de lindas namoradas, se tornando alvo de críticas dos maledicentes. Críticas infundadas, pois sempre se portou dentro das mais rígidas normas da moral.

Depois, a sauna era sagrada. Na parte da tarde, lia e ouvia música. À noite, voltava à sede social de Nova Ipanema, ondes jantava e jogava biriba com sua turma – os casais Ieda e Mário (Fino), Eliane e Isidoro, Martha e Aroldo, Bebem e Edgar, Ana e Narciso, além da Berenice, Nelita, Nádia, Venice, Celeste, Regina, entre outros, como o signatário desta crônica, à época com 34 anos. Com a inauguração da boate de Nova Ipanema, então chamada de ‘O Buraco do Pataky’, todas as noites, o nosso Thomaz se mudava para lá...

A vida boêmia não embotou o gestor de disciplina militar: sempre participou da vida social, política e administrativa do condomínio, onde foi presidente da ACNI - Associação dos Condôminos de Nova Ipanema - e, por diversas vezes, secretário do colegiado e presidente da comissão de legislação e normas.

Até falecer, aos 89 anos, destacou-se pela sua contemporaneidade. Falava em obsolescência instantânea dos objetos, em tecnologia vislumbrando o futuro do século XXI, em estudo, em treinamento pessoal, sempre se atualizando. Fascinado por livros e boa música, deixou lida e relida uma belíssima biblioteca particular.


Elogio nos moldes militares

Desde 1978, até falecer, em 16/7/2003, Thomaz foi meu amigo. Se tivesse que lhe fazer um elogio, nos moldes militares, diria:

ELOGIO–Thomaz de Albuquerque Câmara foi um cidadão exemplar, nada constando, ao longo de sua vida e segundo o meu conhecimento, que desabonasse a sua conduta moral e pessoal. Sempre presente, à frente das causas nobres, foi amigo e companheiro das pessoas de bem. Inteligente e culto, honesto e sincero, sóbrio e dotado de elevado espírito de cooperação, de fino trato e atencioso indistintamente com todos, e, como maior característica, mantinha-se sempre sereno e pacífico diante das mais torpes ofensas. Contudo, tendo espírito combativo, sempre pelo bom combate, nunca se curvou diante das injúrias. Desinteressado das coisas materiais, sempre lutou por ideias. Foi notório o seu caráter ilibado. Tinha uma absoluta capacidade de trabalho, que, por vezes, chegou à exaustão, assim como um modo invulgar de se devotar à defesa de suas teses. Cumpre-me louvar o cidadão que foi Thomaz de Albuquerque Câmara pelos bons serviços prestados ao país e à comunidade de Nova Ipanema, onde teve oportunidade de exercer várias funções administrativas. Rio de Janeiro, 16 de julho de 2003. Assinado João Carlos Lopes dos Santos.


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