Crônicas de Nova Ipanema

Conflito intestino no Porrinhódromo

                                        João Carlos Lopes dos Santos

Leitura recomendada apenas para moradores de Nova Ipanema, condomínio residencial localizado na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, já que só intramuros será compreendida, mesmo assim por poucos. Crônica escrita em 1999.

Quem frequenta sabe e não pode negar: houve uma tremenda convulsão intestina no nosso Porrinhódromo. Mas o que houve ao certo? Ninguém sabe. Mas teria sido realmente uma convulsão intestina? Antes que algum desavisado confunda, já pensando em um errôneo resultado desse distúrbio, intestino, na primeira acepção encontrada no Aurélio – que não é o nosso –, quer dizer: interno, íntimo. Para que fique claro: aconteceu um tremendo "barraco", um "arranca rabo", entre alguns comensais do Porrinhódromo.

     Por não se ter, no Porrinhódromo, o hábito de se fazer atas de suas reuniões – falha organizacional imperdoável –, surgiram várias teses, todas extremamente polêmicas, duvidosas e quem sabe fantasiosas. Penso que o ocorrido vai ficar na história, tal qual ficou o episódio da renúncia do Jânio, a morte de John Kennedy ou o que aconteceu, na verdade, com Ronaldo Fenômeno na Copa do Mundo de 1998...

     De fato, há várias teses para o que aconteceu no Porrinhódromo. Uma delas, com fundadas possibilidades de ser a verdadeira, nos aponta para a península ibérica, portanto, cheirando a futuro conflito internacional e não de coisas intestinas...

Primeira tese

     A primeira tese seria ainda consequência da formação do Estado do Ceará, que remonta ao ano de 1799, quando o glorioso povo alencarino se separou do não menos glorioso pernambucano, para se tornar uma grande potência...

     Essa tese não está com nada e nada tem a ver com a gente. Segundo se apurou, é um problema de divisa entre os dois Estados com disputa uma zona litigiosa, quando certa cidade, a critério exclusivo de um rico importador de uísque paraguaio, passaria novamente a pertencer a Pernambuco... Trata-se querela pessoal, coisa de quem quer jogar o outro no analista, ensejando-lhe uma crise de identidade.

     O que foi atacado – é lógico que não ia entregar a rapadura – se defendeu armando-se de argumentos de lucros indevidos, agravados pela sonegação, com a venda de uísque paraguaio. O objetivo claro era que o outro entrasse não só pelo cano, como também fosse multado, pagando os tubos de multas pelas conexões paraguaias, alicerçados que estavam em amizades da Receita Federal, Estadual, Municipal e Condominial, presentes ao bate-boca. Não deu em nada, briga de vizinhos (lá e cá), coisas de amigos que não têm inimigos nem outras coisas para fazer.

      Tudo acabou em pizza de calango com mussarela de queijo de coalho.

Segunda tese

     A segunda tese nos aponta para a possibilidade de uma CPI (Comissão Porrinhodromentar de Inquérito) para apurar o desvio de material: um valioso acervo composto de aparelhos de chá e café e complementos correlacionados, estando a reboque, o sumiço de duas garrafas de uísque.

     Essa tese também não procede. O que aconteceu é fácil de explicar. Por falta de espaço no Porrinhódromo, todo aquele material ocioso continuará ocioso, só que na administração do Condomínio Nova Ipanema. Ninguém pode ser contra, já que na Administração de NIPA tem muito mais espaço...

     Já, no que concerne às duas garrafas de uísque, os cascos não foram encontrados – feito da reciclagem... Já o líquido foi encontrado na ETE (Estação de Tratamento de Esgoto), junto à Marina do Condomínio.

     De novo, tudo acabou em pizza, só que, desta vez, regado com muito malte escocês, comemorando-se o arquivamento do processo.

Terceira tese

     A terceira tese nos diz que teria sido a pretensão de uns acadêmicos – prontamente rechaçada – de transformar aquele espaço na ‘Lanchonete de Goa’ para venda de comidas atípicas, como, por exemplo, sanduíches de bacalhau, camarões fritos para serem servidos de sobremesa, após uma lauta feijoada, entre outros petiscos. Para tal, haveria necessidade de obras, principalmente, para fazer uma copa fora dos limites preestabelecidos, o que, decerto, lá é normal.

     Tese absurda, na qual nem vamos nos aprofundar, pois costuma dar briga.

Quarta tese

     A quarta tese nos aponta para uma desnecessária necessidade de se dar uma mexida na direção do Porrinhódromo. A proposta anônima – os canalhas sempre se escondem no anonimato – não era para mudar as pessoas e sim suas funções. Um tiraria o umbigo do balcão e passaria a ser o diretor da bocha. Outro passaria do Departamento de Boca Livre (para quem não sabe, é a tribuna democrática do Porrinhódromo onde se pode falar o que bem se entende), para administrar os comes e bebes. Já o outro continuaria a não fazer nada... A mesma tese configura um auditor macambúzio, sorumbático, ensimesmado que, diante das baixarias, já pensa em voltar para Campinas.

     Baboseira, pura maldade das pessoas... Continuou tudo como era antes.

Quinta tese

     A quinta tese seria a possibilidade de uma retomada política dos destinos do Brasil por parte de Portugal, tendo como partida a heroica batalha da ‘Tomada do Porrinhódromo’, episódio épico, administrativo e/ou bélico, de inspiração política-étnica-religiosa, com objetivo do nosso país-irmão comemorar os 500 anos do Descobrimento.

     Administrativamente, os neoconquistadores fazem a solene promessa de continuarem a ser Vice-campeões em todos os campeonatos que disputarem e só concorrerem a ACNI ao cargo de Vice-Presidente-Executivo, comprometem-se a nunca mais trapacear na sueca, a promover uma farta distribuição de sanduíches de bacalhau, de rebuçados de camarões ao alho e óleo e de periquita – que fique bem claro que se trata de um vinho português. Honra seja feita, os gajos são fartos... Há gente da cúpula que está ansiosa e literalmente seduzida. Há outro acadêmico, de descendência cearense, que anda sumido – dizem que é sempre visto jogando bocha e sueca no Novo Leblon –, que já se naturalizou português, não se sabe se por interesse de conseguir passaporte da Comunidade Europeia ou se para adquirir status para voltar a residir no Bellini. Num futuro próximo, só portugueses natos ou naturalizados poderão residir no Bellini. Tem um que mora lá, que tem nome, pinta e grana de português, mas não é português e, para garantir sua permanência, abriu uma lanchonete no BarraShopping para vender comida árabe – os mouros foram um dos povos ancestrais dos lusos.

     Esta quinta tese é a mais lógica, posto que, seja evidente a concentração quase absoluta dos lusos no Bellini, o quartel general deles. Só é quase porque um deles, mesmo tendo bala (leia-se ouro) na agulha, reluta em se mudar para aquela casamata de luxo, alegando que, desde miúdo, sempre morou antes de uma ponte e que não será agora que vai mudar... Outro foi obrigado por um patrício a comprar o 14º piso L/D. No Bellini, foi abolida a numeração dos apartamentos, agora lá andar é piso, a coluna 01 é L/D (lado direito) e a coluna 02 é L/E (lado esquerdo).

     A propósito, o luxuoso prédio esteve para mudar de nome: uns queriam mudá-lo para "Edifício Flor do Minho", mas os bravos transmontanos, enciumados, lutaram e conseguiram manter a homenagem ao valoroso zagueiro vascaíno, Capitão da Copa de 1958. Está na cara que, depois que todos os portugueses de NIPA estiverem no Bellini (a imprensa está com eles, mas também terá de se naturalizar...), de lá partirão para subjugar os cearenses, mineiros, paulistas e a minoria carioca.

     Mesmo com todas as evidências, não se sabe ao certo se a quinta tese, embora indiscutivelmente a mais lógica, seja a verdadeira. Sabem por quê? Porque no Porrinhódromo não se tem o hábito de se fazer atas prolixas e detalhadas...

Post scriptum

     O lusitano, aquele que relutava para se mudar para o Bellini, a casamata de luso, ou melhor, de luxo, alegando que, desde miúdo, sempre morara antes de uma ponte, acabou por mudar de ideia e, em 2006, comprou lá um apartamento no nono andar, mas só se mudou após concluir que do lado de lá também fica antes de uma ponte...

 

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