Crônicas do Cotidiano

Os cinemas de minha infância

                          João Carlos Lopes dos Santos

A maioria dos cinemas de frente de rua de todo o país fecharam ou estão com os dias contados. Com a flagrante valorização imobiliária, existe a tendência de que também os postos de abastecimento de combustíveis, motéis, entre outros tipos de comércio, que estejam perdendo em rentabilidade para os demais e ocupem áreas consideráveis bem localizadas, se transformem em empreendimentos imobiliários.

Na minha infância, juntamente com o rádio, o cinema era a melhor fonte de informação e cultura. No início dos anos de 1950, a televisão engatinhava com uma programação e imagem que beiravam o ridículo. Por isso, as salas de projeção estavam sempre lotadas. Lembro-me das filas diante dos cinemas. Hoje – ‘portador não merece pancada’–, as telenovelas vespertinas e noturnas,  mais futebol de terça-feira aos domingos na TV aberta e no Pay-Per-View, as oportunidades sociais, além da axiomática preguiça após um dia de trabalho, prejudicam a procura pelos cinemas. Não sei de estatísticas, mas acredito que a maioria das pessoas não tem ido ao cinema. É uma pena e temos que fazer de tudo para reverter esse quadro. Além de diversão, encaro o cinema como uma fonte inesgotável de cultura.

Em todo Brasil, maciçamente, as salas de projeção de frente de rua viraram templos evangélicos, supermercados ou estão à espera de atividade diversa da original. Ao que me parece, no Rio de Janeiro, com essa característica, restam em atividade apenas quatro cinemas: Cine Odeon, na Cinelândia, Cine Leblon, Cinema Roxy, em Copacabana, e o Cine Paissandu, no Flamengo. Em 2008, o assunto era o encerramento das atividades do Paissandu, se fecharia ou não. Não me lembro de outras salas de projeção com essa característica.

Na Praça Saens Peña, que no passado era conhecida como a outra "cinelândia", todos os cinemas fecharam. Contudo, o objetivo aqui não é fazer uma abordagem sobre os antigos cinemas do Rio de Janeiro, já que sobre isso já há muitos registros. Pretendo, apenas, materializar os fatos vivenciados por mim, num terreno ainda pouco explorado: os cinemas do bairro carioca do Méier.

No Méier, o caso mais triste, decerto, é o do Cine Imperator com as suas 2.400 poltronas vazias... Quando foi inaugurado, em 1954, o Imperator era a maior sala de projeção da América Latina. Encerrou as atividades em 1986. Em 1991, o local foi reaberto como casa de espetáculos. Em 1995, foi novamente fechado. Triste sina a do imponente Imperator, que sequer conseguiu se transformar num templo evangélico ou supermercado, tal qual ocorreu com muitas outras salas pelo país afora. Hoje, está fechado em completo abandono e a sua famosa galeria, chique no passado, palco de grandes acontecimentos populares, como os então famosos showsde rock, foi ocupada por inúmeras barracas de venda de artesanato e quinquilharias – em 2008, fui lá testemunhar.

Vivi no Méier até a minha juventude e frequentei o Cine Imperator nas décadas de 1950 e 1960. Naquele passado, partindo-se do Jardim do Méier, ia-se a pé aos cines Roulien, Todos-os-Santos, Paratodos, Mascote, Bruni-Méier, Art Palácio- Méier, Imperator e outros menores mais distantes, como o Cine Rin-tin-tin, que ficava na Rua Honório quase esquina da Rua Piauí, o primeiro da lista a encerrar as atividades. Ainda mais distante, no Engenho Novo, o excelente Cine Santa Alice, muito procurado pelos moradores dos bairros do seu entorno. Todos encerraram suas atividades e hoje não há mais cinemas no Méier, nem em Shopping Center...

Até o final da década de 1960, era raríssimo o bairro das médias e grandes cidades que não tivesse, pelo menos, dois cinemas. Esses cinemas eram carinhosamente chamados de "cine poeira" ou "poeirinha". Todos fecharam! Eram eles, espalhados por todo Brasil, que davam sobrevida aos filmes fora de cartaz, excelente fonte de cultura, que agora só podem ser assistidos no Canal Brasil, da NET – o que lhes recomendo. Li, na matéria de Mauro Ventura, no O Globo de 28/8/2008, os números fornecidos pelo produtor de cinema Diler Trindade:‘Não há cinema em 92% dos municípios brasileiros’.

O meu amigo Paulo Victorino, titular da www.pitoresco.com, me informou o que segue:

"Alguns comentários aparte, sobre São Paulo, só para que você saiba que o problema é generalizado. Na cinelândia paulista – esquina da Ipiranga com a São João –, os cines mais luxuosos, o Marabá e o Ipiranga, simplesmente fecharam, o cine Metro virou sede da Igreja da Graça, o cine Olido passou a sede da Secretaria Municipal da Cultura. Fecharam em definitivo os cines Ritz, Broadway, Avenidas, Paratodos, Paissandu e outros. Não sobrou nada, e uma das causas foi a mudança do polo econômico para a Avenida Paulista, levando consigo cinemas, teatros, hotéis e tudo mais. Nos bairros, os "pulgueirinhos", como eram então chamados aqui, onde se assistia as matinês nos anos 1950 também não existem mais e só se encontra salas de espetáculo nos Shoppings.

No interior de São Paulo, só subsistiram os cinemas em cidades maiores, mas, nas cidades pequenas, há solução possível com vontade política, utilizando-se o cinema digital. Neste, os filmes são produzidos e/ou reproduzidos em disco rígido de computador e se utiliza também projetores digitais, sendo possível montar uma sala de espetáculos com uns 50 mil reais. Como a exibição é feita a partir dos discos rígidos, fica eliminado o celuloide, que era o grande fator de encarecimento dos espetáculos. O governo paulista andou estudando a implantação dessa técnica há uns cinco ou seis anos, mas não sei se levaram adiante."

Entrevistei um estudante de Cinema. Perguntei-lhe: diante do quadro por que passa o cinema nacional, o que o leva a fazer um curso de Cinema? Respondeu-me que teria pela frente uma vida profissional muito dura, mas que, mesmo assim, pretendia se formar em Cinema, se declarando movido mais pela paixão do que pela razão. Em todos os segmentos do setor, com certeza, é a paixão que não deixa o cinema morrer.

Hoje, moro a 300 metros de um Shopping Center com 18 salas de projeção, onde só passam os grandes lançamentos cinematográficos. Quando a oportunidade se apresenta, embora não despreze os estrangeiros, gosto mesmo é de assistir aos filmes nacionais.



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