Crônicas do Cotidiano

Quanto mais longevo, mais pobre.

João Carlos Lopes dos Santos.



Há pessoas que mudam o rumo da conversa para falar bem de alguém. São raras, mas existem. Já falar mal é corriqueiro – com ou sem motivo, preconceituosamente ou por inveja. A conversa vai fluindo e alguém é citado e a prosa passa a ser outra, já que um dos interlocutores começa a falar bem e por muito tempo daquele que foi mencionado. Não que o elogiado seja um poço de virtudes, muito embora o parâmetro possa ser também o merecimento. Há quem valha muito para alguns e muito pouco para outros. É que, vai ver, num incerto passado, quem está a elogiar pode ter se sentido muito especial por um simples comentário do, então, elogiado. Isso acontece, muitas vezes, sem que se perceba a marca indelével deixada no outro. O mesmo acontece quando a marca é negativa, dando ensejo às decepções, mas isso poderá ser mote de outra crônica, mesmo que a analogia já esteja sendo feita por você agora.



Nem sempre se merece...

Nesse cenário, se os comentários elogiosos são dirigidos a você, decerto é porque aquela pessoa lhe tem muita estima, mesmo com seus prováveis defeitos. Por outro lado, se não gosta de você, mesmo que desconheça suas mazelas, por certo há de lhe arranjar “belo enredo”... O número de pessoas que param uma conversa para falar bem de mim está minguando. Ao longo da vida, vamos perdendo as pessoas queridas e aquelas que gostam de nós. Até aqui, foram várias perdas importantes e nem caberia aqui citá-las, mesmo que indiretamente. Assim, à medida que envelhecemos, o processo de perda vai acelerando.

Escrevo em junho de 2016. Conversando com um primo, ali pelo final de 2015, lhe disse que, volta e meia, pensava ir a Brasília visitar o pai dele, tio de minha mulher e meu amigo desde que a conheci – pessoa com inusitado espírito familiar. Disse-me que seu pai ia ficar muito feliz e me contou que, se numa conversa alguém tocava no meu nome, a prosa laudatória ficava sem fim. Logo depois, em janeiro de 2016, de surpresa, chegou a triste notícia. Por outros motivos, não pude ir ao enterro, mas confesso que, mesmo muito triste, não me motivei, como que me punindo por não ter me despedido dele como gostaria.

Também no início de 2016, a família teve outra sentida perda. Era uma mulher forte e otimista ante as procelas da vida. Algumas pessoas já tinham me dito – o que já sabia – que ela gostava muito de mim. Além de uma amiga, perdemos um admirável exemplo de vida. No velório, ao tentar consolar o viúvo, também tio de minha mulher, ele me confidenciou: _ Na noite da passagem do ano, ela falou bem de você o tempo todo.



O amigo Sansão.

Falo do artista-pintor Sansão Campos Pereira (Xapuri-AC, 1919 — Rio de Janeiro-RJ, 2014). Por se tratar de figura pública, posso citá-lo nominalmente sem cuidados. Era uma alma boníssima, mas não vou me aprofundar. Posso até lhes contar um dia todos os porquês, mas só quando dispusermos de um largo tempo. Até porque, se você o conheceu, haverá de ser um longo diálogo; caso contrário, vou ter que lhe reportar um infindável monólogo. Poucas pessoas tiveram tantos amigos e poucos artistas plásticos deixaram tão bela história de vida. Merece um documentário e/ou um longa-metragem. Podem contar com meu depoimento e que seja rápido, para que não se perca a memória dos fatos.

Nos anos 1980/1990, ao menos uma vez por mês, o visitava no ateliê de Copacabana, no Rio de Janeiro. Quando definitivamente virei perito judicial, parei de vender quadros. Por isso, nos seus últimos anos de vida, rarearam minhas visitas ao seu ateliê. Sempre que dele me lembrava, programava visitá-lo. Desistia diante do escasso estacionamento na Avenida Atlântica, pela falta de oportunidade ou porque, sempre que ia lá, voltava voluntariamente com um monte de pinturas. O que fazer com elas se não vendia mais quadros? Certa vez, um amigo me disse: _ O Sansão Pereira lhe tem muita estima. Fui ao ateliê dele e o assunto só foi você.



O cartão de Natal

Interessante é que, enquanto foi moda, ele sempre me enviava cartões de Natal. Até que, como quase todos fizeram, parou de fazê-lo. Não é que, ali pelo dia 15 de dezembro de 2014, chegou um cartão de Natal do Sansão. Exclamei: vou visitá-lo! Mas não deu tempo... Soube, logo após, que ele tinha falecido em 11/12/2014, aos 95 anos de idade. Como soube depois que ele tinha ficado internado no Hospital Naval Marcílio Dias, onde faleceu da lenta e insidiosa doença, deduzo que tenha pedido que lhe postassem os cartões de Natal – com mais certeza de despedida – nos Correios. Mas a letra do endereçamento e dos votos natalinos era dele. Assim, o Sansão se despediu dos verdadeiros amigos e não se esqueceu de mim.

Verdadeiros, decerto, já não são tantos e a cada amigo que se vai, os cortes elogiosos das conversas vão ficando mais raros e, assim, estou a ficar cada vez mais pobre.

Conheça ou mate as saudades do amigo Sansão Pereira na reportagem que está no link https://www.youtube.com/watch?v=dJEBYiBpbRY.



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