Crônicas do Cotidiano

As minhas duas experiências como "terrorista internacional"

João Carlos Lopes dos Santos



Os fatos são absolutamente verdadeiros

O título não é enganoso e - quem me conhece sabe -, não sou chegado a propalar mentiras. Portanto, o que vou lhes contar é real, mas tem que passar, obrigatoriamente, por algumas explicações.

Não sou o que se pode chamar de um árabe, mas já fui muitas vezes confundido em restaurantes típicos, algumas vezes sendo abordado - em árabe - pelos donos dos restaurantes.


Minha linha de sangue

Meus avós maternos eram açorianos, naturais da Ilha Terceira, e vieram para o Brasil no último quartel do Século XIX. Meu pai, do continente português, chegou aqui em 1922.

Como se sabe, a Península Ibérica – onde se localizam Portugal e Espanha – foi invadida pelos mouros que, por sete séculos, dominaram a região. Por volta do Século VIII, começou a chamada Reconquista, um movimento importante da História Ibérica, nome dado ao avanço dos cristãos sobre as terras anteriormente invadidas na Península pelos árabes.

A Reconquista vai até o Século XV, quando os árabes deixaram "definitivamente" a Península Ibérica. As aspas são importantes, porque a presença deles se faz sentir até hoje nos usos e costumes, na arquitetura e na língua e, mormente, na formação étnica dos lusitanos e espanhóis.

Muitos desses mouros e seus descendentes deixaram a Península Ibérica pelo mar e se localizaram no Arquipélago dos Açores. Foi o caso dos ancestrais dos meus avós maternos, que tinham - eles sim - sangue puro árabe, preservado por séculos, por conta do confinamento de muitas gerações nas ilhas açorianas. Lembro-me do meu avô João da Rocha Ferreira - de quem herdei o prenome e as características físicas: era um mouro, um típico tuaregue.

Acrescentando, meu lado paterno é também português, nomeadamente transmontano de Vila Real, ali bem próximo da Espanha, o que não deixa de ser axiomático, já que os portugueses – lançando mão de uma hipérbole –, se correrem uma maratona de mau jeito, têm grande chance de adentrarem pela Espanha ou se afogarem no Atlântico...

Resumindo, meu pai, como todos os portugueses e espanhóis, também tinha sangue árabe. Vocês já notaram que os espanhóis, quando cantam, parecem ter um quibe atravessado na garganta?


Onde entra o terrorismo internacional nessa história

Um casal de amigos, ali pelo final dos anos 1970, nos deu dois convites para que os representassem numa festa da comunidade judaica num clube de Copacabana. Tiveram um problema de saúde qualquer, que impossibilitou o casal de comparecer à festa.

Como todo bom brasileiro, não julgo ninguém pela nacionalidade, religião, cor, idade, condição cultural ou social. Tenho grandes amigos representantes de todos esses predicados. Não sou de fazer julgamentos, no entanto, se for obrigado a fazê-los, só o caráter das pessoas me interessa.

E lá fui eu, com minha mulher, para a tal festa judaica, sem sequer me tocar que ainda ecoavam os tiros da Guerra do Yom Kippur, em 1973, a quarta travada entre árabes e israelenses desde a proclamação do Estado de Israel em 1947.

Chegamos à festa com os convites na mão. Na época, tinha o cabelo negro, com a pele queimada pelo sol de Nova Ipanema – sou do tipo que, pegando sol, não descasca e vai ficando negro...

Três casais daquela comunidade judaica, simpaticamente, nos recepcionaram na entrada do salão, com a pergunta: vocês são convidados de quem? Expliquei que estávamos ali representando o tal casal amigo, que todos identificaram de pronto.

Fomos, a princípio, diplomaticamente monitorados, para depois recebermos um fraterno tratamento, mormente, depois de dançarmos ‘Hava Naguila’, entre outras músicas judaicas. E cá entre nós, que festa animada...

Obviamente, acabaram por concluir que eu não era nenhum terrorista internacional.


A outra foi em São Paulo

Anos depois, em setembro de 1996, fui à São Paulo, para assistir a um leilão da Bolsa de Arte do Rio de Janeiro, realizado em um clube da comunidade judaica paulistana, no Jardim Paulista.

Aguardando o início do evento, lembrei-me de telefonar para um amigo. Dirigi-me ao jardim, procurando um melhor posicionamento para o sinal do telefone celular. Naquela época, a transmissão através de aparelhos celulares ainda estava engatinhando... Notei que três seguranças israelenses estavam, ostensivamente, me monitorando – dizem que são os mais bem treinados do mundo.

Só aí me lembrei do episódio anterior e de que a comunidade judaica andava muito estressada, com os inúmeros atentados terroristas perpetrados contra sinagogas, consulados, embaixadas e clubes judaicos, mormente, na América Latina. Pouco antes, em 1994, tinha havido um ataque à Associação Mutual Israelita Argentina, o que ocasionou a morte de 89 pessoas, além de outros incidentes de igual gravidade.

Preferi interromper a ligação e voltar ao salão. Daí em diante, eu fiquei debaixo dos olhares atentos dos três israelenses, até que, por sorte, adentra ao salão um internacionalmente conhecido técnico de futebol carioca, que, à época, treinava um clube paulista. Ele veio em minha direção, me deu um fraternal abraço e sentou-se ao meu lado para assistir ao leilão. Ainda pude ver os três israelenses se entreolhando, como que dizendo: "está tudo limpo com esse cara". As aparências enganam...


À paz absoluta e duradoura

Esta crônica é dedicada à paz absoluta e duradoura em todo o mundo, desejando que todos os povos se entendam. Que os homens concluam que nacionalidade, religião, cor da pele, condição cultural ou social não podem impedir de nos darmos as mãos.

Afinal, neste mundo, estamos todos no mesmo barco ou, se preferirem, debaixo da mesma tenda.

 

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